- 9 de Agosto, 2024
- Posted by: Filipa Ferreira
- Category: Inteligência Artificial
Existe uma história interessante quando se trata de automatização: se alguém sentiu o seu impacto, foram primeiro os trabalhadores da produção e do comércio. O aparecimento do tear mecânico empurrou os tecelões que trabalhavam por conta própria para as fábricas. Depois de a Ford ter apresentado a linha de montagem, os mecânicos e os engenheiros qualificados tiveram de aprender a executar movimentos mecânicos. O pessoal de apoio dos escritórios acabou por ter um destino semelhante. Com a chegada dos computadores em rede, os trabalhadores administrativos viram as suas funções passarem da interação com as pessoas para o preenchimento de formulários e a seleção de caixas. Demasiados tinham uma remuneração inferior. Demasiados desenvolviam menos competências. Demasiados eram tratados com menos pluralidade, conexão humana e dignidade.
Entretanto, a maioria dos trabalhadores que aplicam conhecimento sentiram praticamente o oposto: a automatização trouxe um trabalho mais desafiante, criativo, que aumenta as competências e que remunera melhor. E, apesar de nos ter surpreendido a todos, a pandemia e o novo mundo do trabalho remoto deram a estes colaboradores ainda mais autonomia e uma vida mais equilibrada. Mais de cinco décadas de investigação em áreas como a economia do trabalho, a psicologia e a sociologia apontam para o facto de os trabalhadores de colarinho branco terem mais a ganhar com a automatização.
Agora, a história parece estar a mudar. Trata-se da presença física. Caso se trabalhe de forma totalmente remota — ou caso seja possível — muitas das tarefas podem em breve ser em grande medida automatizadas, enquanto os trabalhadores que têm de se apresentar pessoalmente para obter resultados estão em terreno mais seguro. Isto significa que alguns trabalhadores remotos perderão os seus empregos, mas muitos, muitos milhões terão em breve enormes mudanças profissionais e, por conseguinte, enfrentarão um notório desafio de requalificação.
Existem três forças maiores em ação que perturbam esse cenário. Estas devem fazer-nos parar e levar-nos a antecipar mudanças profissionais ainda mais rápidas e extensas — especialmente para os trabalhadores remotos.
Facilidade de utilização
A primeira é bem visível: a IA generativa está a ser aproveitada através de aplicações fáceis de utilizar. Pense-se na IA generativa como a chegada da eletricidade e do motor elétrico: um recurso extremamente poderoso que, em teoria, poderia ser utilizado para muitas coisas, mas que não é assim tão benéfico para um determinado trabalho no imediato. Depois da eletricidade, tivemos as máquinas de lavar louça, as bombas de água, as serras circulares e similares. Muitas empresas estão a desenvolver o equivalente, neste momento, para a IA generativa. Algumas funcionalidades do Copilot da Microsoft como o seu “writing coach” — integrado no seu pacote Office — são um exemplo claro.
As organizações já estão preparadas para a IA generativa
Em segundo lugar, as empresas também se pré-configuraram para facilitar a automatização da IA generativa: desde, pelo menos, o aparecimento da telefonia, mas especialmente em resposta ao Covid, concentraram as tarefas digitais para permitir que milhões de pessoas trabalhem remotamente. Atualmente, a IA generativa só pode lidar com tarefas digitais — aquelas que lidam com entradas e saídas de informação. Isto significa que, caso se possa trabalhar de forma totalmente remota, a IA generativa pode ser utilizada de forma rentável para ajudar com as tarefas mais do que no caso de ter de se apresentar pessoalmente.
A IA generativa está a tornar-se mais autónoma
A terceira força é um aumento iminente da autonomia da IA generativa. A IA generativa que conhecemos é sobretudo passiva. Perante um pedido, esta faz o trabalho — mas apenas uma pequena parte do trabalho e com memória muito fraca e limitada.
Contudo, OpenAI, Google e Anthropic — os três gigantes da IA generativa — têm sido todos bastante transparentes: esperam apresentar sistemas altamente autónomos que resolvam estes problemas nos próximos três a seis meses. De facto, há cerca de quatro meses que temos uma versão beta pública de um destes agentes: o Devin. Ao contrário de toda a IA generativa anterior, pode dar-se ao Devin um objetivo — bastante vago — e este apresentará um plano para concretizar esse objetivo e começa a trabalhar nele em segundo plano. Através de uma interface de conversação simples, pode questionar-se o Devin como está a correr o trabalho. Este enviará uma mensagem de resposta com uma atualização do progresso, como um colega faria através do Slack. O Devin, muitas vezes, consegue fazer o trabalho completo.
Alguns — talvez mais do que estamos habituados — perderão os seus empregos. Um sério problema para as dezenas de milhares de pessoas afetadas que requer atenção proativa por parte das organizações e das entidades reguladoras. Mas para talvez uma centena de milhão de trabalhadores remotos em todo o mundo, estas forças contribuirão no sentido de facilitar mudanças profissionais relativamente significativas e rápidas.
O foco adequado em resposta a este tsunami de mudança é a requalificação. As empresas e os trabalhadores devem investir na aprendizagem e no desenvolvimento necessários para preparar os trabalhadores e ajudá-los a adaptar-se à medida que estas mudanças se revelam. Para escolher apenas uma meta bem definida: sendo um trabalhador remoto, deve focar-se no desenvolvimento de competências de gestão. O que quer que se tenha feito antes, agora deve-se provavelmente aprender a supervisionar a execução por um conjunto de agentes de software altamente autónomos. Isto inclui competências como a delegação, o que significa especificar claramente um trabalho que se quer feito, garantir clareza antes do início do trabalho e dar feedback claro para orientar o desempenho, tal como ao gerir outras pessoas.
As empresas que falharem a enfrentar este desafio de requalificação não só desperdiçarão a verdadeira vantagem de produtividade da IA generativa; como, ao não os preparar, podem também alienar a própria força de trabalho humana que — pelo menos num futuro próximo — continua a ser o cerne da sua vantagem competitiva.
Adaptado de: “Gen AI Is Coming for Remote Workers First“, por Matt Beane, professor assistente de gestão tecnológica na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, e investigador associado à Iniciativa sobre a Economia Digital do MIT (é autor de The Skill Code: How to Save Human Ability in an Age of Intelligent Machines), publicado em Harvard Business Review em 22 de julho de 2024.